sábado, 3 de março de 2012

CARTA ABERTA DO CENTRO ACADÊMICO DE HISTÓRIA DA UFU SOBRE O CASO DE VIOLENCIA POLICIAL OCORRIDO NA ATIVIDADE DE RECEPÇÃO DOS CALOUROS

Segue abaixo a carta aberta divulgada pelo Centro Acadêmico de História (CAHIS) da UFU sobre a atrocidade do dia 27 de fevereiro em que estudantes sem justificativa alguma foram violentados e presos. Todo apoio ao CAHIS e aos estudantes da UFU.



CARTA ABERTA DO CENTRO ACADÊMICO DE HISTÓRIA DA UFU SOBRE O CASO DE VIOLENCIA POLICIAL OCORRIDO NA ATIVIDADE DE RECEPÇÃO DOS CALOUROS

O Centro Acadêmico (C.A.) de História da UFU, gestão “O tempo não Pára” vem por meio desta nota esclarecer e se posicionar sobre os fatos ocorridos no dia 27 de fevereiro de 2012, no que diz respeito a violência praticada pela Polícia Militar (PM) contra estudantes que participavam da primeira atividade da semana de recepção organizada para os calouros do curso de história.
A C.A. de História, assim como a maioria das entidades estudantis de outros cursos, preparou para a primeira semana de aulas, atividades consecutivas de integração, discussão e debates, que tinham como propósito estabelecer um primeiro contato dos novos estudantes com os veteranos e corpo docente do Instituto de História.
Como se pôde verificar, desde o primeiro dia, o objetivo do Centro Acadêmico foi promover um espaço saudável de recepção, evitando em todos os momentos qualquer atitude que pudesse ser caracterizada como os lamentáveis trotes já conhecidos como práticas de humilhação e constrangimento causados por alguns veteranos aos calouros. Tratou-se, portanto, de uma concepção política adotada pelo C.A., cujo fundamento se assenta na necessidade de politização das atividades propostas, desde a confraternização cultural até as rodas de conversa com os ingressantes em sala de aula. Esta compreensão de como deve ocorrer uma semana de integração, podemos afirmar com sóbria tranquilidade, foi apoiada por ampla maioria do corpo discente de História, apesar de um grupo reduzido de colegas do curso ainda tentarem promover a banalização das atividades com práticas machistas, homofóbicas e humilhantes, que há alguns anos vinham provocando uma péssima impressão de quem são e como se comportam os estudantes de história da UFU. Esta concepção ideológica de hierarquização entre veteranos e calouros foi combatida desde o início pelo C.A. e por vários outros estudantes que comungam deste mesmo entendimento.
A partir dessa compreensão, no primeiro dia foram realizados espaços de confraternização que, ao contrário do que afirmou a mídia, não duraram 24 horas, mas tiveram início no período da manhã, encerrando-se por volta das 13h e retornando a noite, por volta das 20h, uma vez que as turmas do curso se dividem nos turnos matutino e noturno.
Estes momentos de primeira socialização se distinguiram qualitativamente daqueles que vinham sendo realizados “tradicionalmente”, já que foram elaborados com o propósito de apresentar a produção cultural dos próprios estudantes do curso, que tiveram a oportunidade de fazer música ao vivo durante a recepção, e sem a reprodução de valores de opressão e preconceito.
As atividades tiveram que ser realizadas fora da universidade, tendo em vista que a administração da mesma suspendeu a possibilidade de reserva dos espaços físicos para a realização de atividades culturais e não vem demonstrando preocupação com a adequação estrutural para a promoção e oferecimento de cultura. Da mesma forma, simultaneamente aconteciam nas proximidades dos campi Santa Mônica e Umuarama, confraternizações de outros cursos, algo comum para o primeiro dia de aula em qualquer universidade.
No período da noite a atividade acontecia tranquilamente, assim como ocorreu pela manhã, sendo que por volta das 22h30min uma banda ainda se apresentava e estavam presentes cerca de 40 pessoas, momento em que a confraternização encaminhava-se para o seu término. Esta era a situação que se apresentava quando a Polícia Militar chegou ao local. Cinco viaturas se aportaram e antes do primeiro contato o som foi imediatamente interrompido. No entanto, verificou-se claramente a truculência com que o comandante e os demais policiais agiram desde a abordagem inicial, uns com fuzis em mãos e outros empunhando grandes porretes de madeira, exigindo de forma intransigente que os participantes do evento fossem retirados da casa num prazo máximo de cinco minutos.
Um dos moradores, seguindo as ordens, solicitou aos estudantes que se retirassem da residência. Enquanto isso ocorria, o sargento, sem esperar ao menos o prazo estabelecido por ele mesmo (cinco minutos), ameaçava invadir a casa para fazer, em suas palavras, “um arrastão”. Alguns estudantes argumentaram, intimidados, que aquilo não seria necessário, pois a atividade já havia se encerrado. Ainda assim, o sargento insistiu que ninguém o impediria de entrar. Uma estudante apontou que para isso a apresentação de um mandado se fazia necessário. Na inexistência do documento, esta obrigação legal foi ignorada intransigentemente, apesar do apelo dos estudantes para que não se fizesse o uso da violência. Com a continuidade da argumentação sobre ilegalidade da invasão do imóvel, a estudante, membro da coordenação do Centro Acadêmico de História, foi arrastada de dentro da casa, agredida e algemada por dois policiais homens que a arremessaram sobre o capô da viatura com brutalidade sem alegação ou justificativa do motivo da prisão.
Diante da atitude da polícia que procedeu com o uso da violência arbitrária contra uma mulher, os estudantes que presenciavam a situação questionaram o porquê da prisão, sendo outra estudante também agredida com enforcamento por um dos policiais. O morador da casa, também membro da coordenação do Centro Acadêmico de História, que ainda tentava negociar através do diálogo, também foi detido sem nenhuma explicação, o que provocou ainda mais indignação e pânico nos estudantes que estavam presentes.
No momento que os policiais tentaram se retirar do local, os estudantes se dirigiram até a viatura onde estava a estudante no intuito de impedir que esta fosse levada por quatro homens sem a presença sequer de uma policial mulher. O PM que estava na direção do veículo o lançou contra os estudantes que, em seguida, foram brutalmente espancados com cassetetes e porretes por policias que retiraram sua identificação, causando terror e desespero nos estudantes, que corriam na tentativa de se protegerem. Vários deles sofreram ferimentos e escoriações, tendo como caso mais grave o de um estudante que foi atingido na cabeça quando tentava impedir que uma amiga fosse agredida.
Durante a pancadaria, um ex-professor da UFU, que passava pela rua, tentou mediar e pacificar a situação buscando dialogar com um dos policiais, quando foi surpreendido com um golpe no abdômen. O rapaz reagiu em sua defesa e conseguiu correr por alguns metros, sendo alcançado por um policial que o espancou violentamente e também o levou preso.
Após o ocorrido, as viaturas seguiram com os estudantes detidos, que foram levados pelos policiais sem que soubessem para onde. Durante todo o tempo em que estiveram em poder da PM, os estudantes foram humilhados e ameaçados, inclusive de morte. No posto policial os dois rapazes ficaram por duas horas e meia algemados no camburão fechado, sem nenhuma ventilação e sem acesso a direitos básicos como matar a sede, ir ao banheiro, ou fazer contato com familiares e um advogado. Enquanto permaneciam no camburão, em vários momentos os policiais faziam ofensas a ambos, sendo um deles acusado de maneira muito específica pelo termo “comunistinha”. A estudante foi mantida algemada em uma sala da delegacia na presença de policiais que permaneceram todo o tempo hostilizando-a e, por vezes, fazendo piadas. Todos foram levados à UAI, porem não foram averiguados os hematomas, apenas se efetuou um cadastro.
Em seguida, foram reconduzidos ao posto policial e, posteriormente, à 16ª Delegacia da Polícia Civil. Os advogados foram chamados pelos companheiros que não haviam sido presos e, mesmo assim, os policiais que faziam o plantão na delegacia não quiseram recebê-los de imediato e permitir que conversassem com os estudantes, já encarcerados. Mesmo feridos, os jovens que se encontravam na festa dirigiram-se para a 16ª DPC para obterem informações sobre seus companheiros. A imprensa também estava presente para cobrir o fato. Ao entrevistarem o sargento que conduziu a operação, outros policiais rondavam o local com o intuito de intimidar os estudantes e familiares, inclusive apontando armas de fogo na direção deles. Os estudantes detidos foram liberados por volta de 5 horas da manhã depois de uma longa e desgastante negociação.
Os estudantes apresentaram denúncia ao Ministério Público sobre a ação dos policiais militares envolvidos. Desde o início do ocorrido ficou evidente a intenção prévia dos policiais em não estabelecer o diálogo, mas aplicar o uso da violência e abuso de poder. Ficou clara também a consciência dos policiais da ilegalidade da ação empreendida, temendo ser identificados e, em alguns momentos, comentando com hostilidade a possibilidade de somar “mais um processo” para os mesmos. Verificou-se, ainda, que o relatório do boletim de ocorrência da Polícia Militar traz uma versão completamente inverídica, mentindo sobre falas e fatos e forçando grosseiramente caracterizações dos envolvidos em situações de delito.
O ato de violência praticado contra uma mulher estudante que não tinha nenhuma condição de oferecer resistência a dois policiais homens, bem como a outras estudantes que também foram violentadas sem explicação, chama atenção e causa indignação para uma situação em que mais uma vez as mulheres estão sujeitas ao uso da força como forma de opressão.  Questiona-se o papel do Estado na sua função de proteção à mulher quando suas instituições (no caso a PM) são os próprios agentes desta violência.
Frequentemente vêm a público, ações policiais em que ficam explícitos os abusos de autoridade, violações aos direitos humanos e criminalização dos movimentos sociais. Casos como a desocupação dos estudantes da reitoria e moradia da USP, a desocupação de Pinheirinho em São José dos Campos, os assassinatos de trabalhadores rurais e indígenas, são exemplos dessa crescente onda de repressão por parte dos mecanismos de coerção do Estado.
Em Uberlândia, o Movimento Estudantil da UFU vem sofrendo a mesma natureza de perseguição política e coação. Onze estudantes estão sendo processados devido a uma ocupação a favor da democracia na UFU e policiais disfarçados foram identificados em manifestações realizadas neste ano de 2012 (Movimento contra o aumento do passe e Ato em solidariedade a Pinheirinho). Os integrantes do Centro Acadêmico de História também participam dessas mobilizações e já vinham temendo por perseguições devido a sua militância. A utilização de termos como “comunistinha” e “agitadores” pelos policiais aos estudantes, durante a noite do dia 27/02, aponta para que a PM tinha a identificação prévia dos mesmos.
Diante deste grave acontecimento, repudiamos a ação da polícia bem como a violência e repressão institucionalizadas pelo chamado “Estado democrático de direito”. Ações policiais truculentas se revelam uma constante e em Minas Gerais isto vem ficando cada vez mais evidente, tanto mais quando direcionadas contra a população pobre ou a outros grupos estigmatizados socialmente. O aparato policial é controlado e opera de acordo com interesses políticos, econômicos e sociais dos segmentos dominantes. Na perspectiva adotada por esses grupos, que se mantêm há décadas no poder e, não raro, estão associadas diretamente à Ditadura Militar, todas as formas que destoem de sua concepção do que seria “ordem” devem ser perseguidas. Assim, não só a ação popular organizada, mas mesmo as formas de diversão e lazer alternativos são duramente combatidas. Devemos lembrar que a repressão empreendida não se limita ao campo das ações policiais, mas alinhada com estas. Podemos citar os exemplos recentes da máquina de propaganda contratada pelo governo mineiro para criar uma imagem negativa dos professores da educação básica que estavam em greve. Ou ainda, a progressiva restrição dos grupos dirigentes da UFU para utilização dos espaços físicos da universidade para realização de atividades culturais organizadas pelos estudantes, utilizando como argumento, mais uma vez, uma imagem estigmatizada difundida pela mídia, mas sem a proposição de um efetivo debate da questão junto a comunidade interna ou externa.
A constituição de outro modelo de segurança pública, não simplesmente opressor ou coadunado com interesses dos grupos que estão no poder, revela-se como condição fundamental para consolidação de uma sociedade verdadeiramente democrática. A violência policial, apresentada de modo espetacularizado em muitos programas da televisão brasileira, mais desumaniza homens e mulheres do que aponta para efetiva extensão e consolidação dos direitos humanos e da cidadania. Certamente esse não é o caminho para que superemos a criminalidade e as contradições sociais.
Convocamos o conjunto dos estudantes e a comunidade em geral a nos colocarmos em campanha permanente em defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão e manifestação.


Uberlândia, 03 de março de 2012
Centro Acadêmico de História da UFU – Gestão “O Tempo não Pára”


ANEXO I
Programação da recepção de Calouros do curso de História organizada pelo Centro Acadêmico




ANEXO II


Foto tirada por um vizinho do local em que a confraternização dos calouros estava acontecendo. Havia oito viaturas no local e cerca de 20 policiais fortemente armados. Em uma entrevista a mídia local a PM divulgou que tinha mobilizado apenas três viaturas.




ANEXO III
Boletim de Ocorrência da Polícia Militar de Minas Gerais.


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